segunda-feira, 23 de abril de 2012

o silêncio dos livros

o pó dos livros

Nas estantes os livros ficam
(até se dispersarem ou desfazerem)
enquanto tudo
passa. O pó acumula-se
e depois de limpo
torna a acumular-se
no cimo das lombadas.
Quando a cidade está suja
(obras, carros, poeiras)
o pó é mais negro e por vezes
espesso. Os livros ficam,
valem mais que tudo,
mas apesar do amor
(amor das coisas mudas
que sussurram)
e do cuidado doméstico
fica sempre, em baixo,
do lado oposto à lombada,
uma pequena marca negra
do pó nas páginas.
A marca faz parte dos livros.
Estão marcados. Nós também.

Pedro Mexia, "Pó" in "Duplo Império"

quinta-feira, 19 de abril de 2012

o cor de rosa é o vermelho devagarinho

do you like cats?

gosto de gatos. aliás, adoro gatos. é por isso que tenho uma em casa. e também já percebi que há por aí certa gente que detesta e abomina ao ponto de maltratar os pobres bichos. pois bem, aqui nesta casa quer-se gente que goste de animais, sejam cães, gatos e outros afins. não suporto a estupidez e a mesquinhez alheia de gente que se diz superior a qualquer outra forma de vida.



(e como é que é possível não adorá-los mesmo depois de fazerem asneira)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

mais do que amor é amar

Agora era velhinha e não conseguia sentir-se tomada de qualquer sentimento em relação a coisa alguma, mas tinha amado muito.
Esperava ainda encontrar-se com algum ser que se movesse sobre a crosta da terra.
Até que se enamorou pela fachada de uma igreja de Assis, decidindo mudar-se para aquela cidade. Era Inverno, e durante os temporais nocturnos, saía com um guarda-chuva para fazer companhia à igreja, plena de uma luz amedrontada.
Depois, chegou a Primavera, e todas as manhãs e todas as tardes, com as mãos, tocava as pedras quentes e enxutas. Foi um amor sereno e sem traições que durou até à sua morte.

Tonino Guerra, in "Histórias para uma noite de calmaria"

sábado, 3 de março de 2012

oh...the simple moments

"para lá de qualquer lugar a sarar algumas feridas"


"Todas as feridas serão material de poemas. Portanto não devem ser evitadas. De preferência mantê-las abertas, até por fim sararem. De outro modo não deixarão outra cicatriz que não seja umas linhas, uma página, no máximo. (...)"

Pedro Paixão, in "Muito, meu amor"

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Júlio de Matos




Joaquim Monchique está fantástico no papel de Júlio de Matos "um homem desempregado que sofre uma crise de comunicação com o mundo e passa a falar sozinho". Melancólico, sarcástico, espiritual, cómico, dramático, emocionante aos extremos a ponto de nos conduzir, em segundos , de uma gargalhada a um silêncio sepulcral levando-nos a pensar quanto do Júlio de Matos teremos dentro de nós.